Empresas em Recuperação Judicial: prazo para pagar dívidas trabalhistas
Diversas empresas em crise financeira, na tentativa de se reerguerem, estão ajuizando processos de recuperação judicial.
Entenda como ficam as dívidas trabalhistas nesses casos.
O que é uma Recuperação Judicial?
A recuperação judicial é uma ação judicial proposta pela empresa em crise contra os seus credores, ou seja, contra pessoas que tenham uma dívida a receber da empresa recuperanda.
Essa ação serve para forçar os credores à uma renegociação coletiva das dívidas da empresa em crise,para que, assim, ela possa ter uma recuperação econômica.
A recuperação judicial busca superar ou evitar uma crise empresarial, mas depende do consentimento da maioria dos credores e de aprovação judicial.
Os credores são chamados a participar de uma assembleia geral, uma reunião, a fim de decidir se aprovam a recuperação judicial e em quais termos, por meio de um plano de recuperação. Ao final deverá prevalecer a vontade da maioria dentro de cada classe de credores.
A assembleia geral tem ampla liberdade para estruturar a recuperação por meio de um plano no qual constará a novação das dívidas (parcelamento, deságio, carência) e, em contrapartida, a empresa pode se comprometer a alterar a diretoria, vender ativos, reduzir o número de empregados, limitar o volume de empréstimos, etc.
Entretanto, a Lei de Falências e Recuperação de Empresas – Lei nº 11.101/2005, que regula esse tipo de ação, traz algumas normas que restringem a liberdade da Assembleia Geral de Credores na elaboração do plano de recuperação, inclusive para proteção dos trabalhadores.
E, como o plano de recuperação judicial depende de aprovação do Poder Judiciário, o plano deve respeitar fielmente a lei, sob pena de desaprovação e agravamento da crise financeira.
Qual é o objetivo da recuperação judicial?
A recuperação judicial tem como objetivo imediato superar a crise econômico-financeira da empresa devedora, evitando a falência, a quebra da empresa.
Não se trata de calote ou meio para favorecer os sócios. A recuperação objetiva manter a fonte produtora (Princípio da Preservação da Empresa), pois a atividade empresarial traz impactos sociais positivos, seja pelo pagamento de tributos, criação de postos de trabalho, prestação de serviços ou fornecimento de bens.
Diante da relevante função social das empresas, havendo uma crise financeira, a legislação concede meios para o devedor renegociar suas dívidas e evitar a quebra.
Dentre esses meios, autoriza-se o ajuizamento de uma recuperação judicial, na qual é proposta uma ação para harmonizar o interesse social na preservação da empresa e manutenção dos empregos dos trabalhadores com os interesses dos credores.
Recuperação Judicial vale a pena?
Apenas as empresas viáveis justificam os sacrifícios feitos pelos credores na recuperação judicial.
É mais provável que os credores concordem em sacrificar os seus próprios interesses imediatos apenas se verificarem que vale a pena, ponderando os ônus da manutenção da atividade e os ônus do encerramento da atividade.
Os credores têm que acreditar que será melhor manter a empresa do que pedir a sua falência imediatamente.
Para se apurar a viabilidade econômica da empresa, os credores deverão considerar a importância social da atividade; manutenção de empregos; volume do ativo e passivo; dentre outros fatores.
Prazo de Pagamento das Dívidas Trabalhistas numa Recuperação Judicial
Embora haja ampla margem na elaboração do plano de recuperação, a Lei de Falência e Recuperação de Empresas conferiu proteções ao salário para garantir que os trabalhadores recebam seus proventos e, consequentemente, tenham suas sobrevivências e a de suas famílias garantidas.
Em razão do caráter alimentar do salário, o Art. 54 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas – Lei nº 11.101/2005 – proíbe que o plano de recuperação judicial preveja prazo de pagamento superior a 1 (um) ano para os créditos trabalhistas ou de acidentes de trabalho.
Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.
Noutras palavras, só é válido o plano de recuperação judicial que preveja o pagamento das dívidas trabalhistas em até 1 (um) ano.
Não é admissível parcelar as dívidas trabalhistas, de natureza alimentar, por período superior a 12 (doze) meses.
Recuperação Judicial: Marco inicial para pagar dívidas trabalhistas
Ocorre que a lei não esclareceu, de modo expresso, a partir de qual data se iniciaria esse prazo de 1 ano. Então a empresa terá 1 (um) ano a partir do dia do ajuizamento do pedido de recuperação ou da homologação do plano?
A lei anterior, no art. 175, estabelecia que o prazo para cumprimento da concordata contava-se da data do ingresso do pedido em juízo. Como a redação da nova lei é diferente, fica claro que a intenção do legislador foi alterar o regramento nesse ponto.
Todavia, para alguns autores, dever-se-ia aplicar também à Lei atual essa forma de contagem. De modo que os trabalhadores deveriam ser pagos em até 1 (um) ano da data de ajuizamento da ação. Porém, essa posição não vem sendo admitida no Judiciário.
Já o Tribunal de Justiça de São Paulo adotou uma posição intermediária e editou o Enunciado 1 do Grupo de Câmaras de Direito Empresarial, que afirma que o prazo de um ano conta-se da homologação do Plano de Recuperação Judicial ou do término do stay period (art. 6º da Lei 11.101/2005), o que ocorrer primeiro.
O stay period é um período de suspensão das ações e execuções contra a empresa recuperanda, aquela que fez o pedido de recuperação judicial. Logo quando a empresa em crise ajuíza a recuperação judicial, o juiz, ao receber a inicial, decide se irá aceitar a ação e suspende quase todas as ações e execuções.
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
Ocorre que o art. 54 não se vinculou ao término do prazo do stay period e sequer faz referência ao art. 6º. Começar a contagem logo após o fim do stay period não tem nenhum respaldo legal.
Vale ressaltar que a adoção do marco temporal ao fim do stay period pode ser prejudicial à recuperação da empresa com dívidas trabalhistas muito elevadas. Nesses casos, se houver demora na homologação do plano, pode-se terminar por impor um pagamento à vista, sufocando ainda mais a empresa em crise.
Ademais, quando a lei fez a limitação de 1 (um) ano, ela se referiu ao plano de recuperação e não ao prazo de pagamento das dívidas trabalhistas.
Quer dizer, a lei criou uma limitação para homologação do plano, pressupõe-se que haja um plano aprovado pelos credores, a ser homologado pelo Judiciário, no qual o prazo de pagamento das dívidas trabalhistas seja em até 1 (um) ano.
Portanto, deve-se iniciar a contagem de 1(um) ano após a homologação do plano de recuperação judicial.
Esse entendimento também prevaleceu no âmbito do STJ, nos Pedidos de Tutela Provisória nº 2.744 e 2.517.