Exoneração por Motivo Falso ou Inexistente
Em plena pandemia do coronavírus, o Brasil se viu numa crise política. O noticiário parou para reportar a exoneração do Diretor-Geral da Polícia Federal, personagem central no desentendimento entre o Presidente da República e o seu então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
Há dias que o Presidente pressionava Sérgio Moro para que houvesse a troca do Diretor Geral. Eis que o Diário Oficial publicou uma exoneração “a pedido” do Diretor-Geral da PF. Entretanto, Sérgio Moro afirmou, em coletiva à impressa, que a exoneração teria sido “de ofício”, determinada pelo Presidente da República e que tampouco teria assinado o referido documento, como constou da publicação. Diante das denúncias, foi republicada a exoneração do Diretor Geral da Polícia Federal sem a assinatura de Sérgio Moro, contudo, foi mantido que ela seria “a pedido”.
O Presidente, por sua vez, disse que o ato foi legítimo, pois teria a prerrogativa de trocar o Diretor-Geral da Polícia Federal. Quem tem razão?
O Presidente da República pode exonerar e nomear o Diretor-Geral da Polícia Federal? Em tese, sim! Afinal, o Decreto nº 73.332/73, que define a estrutura da Polícia Federal estabelece que:
Art 1º Ao Departamento de Polícia Federal (DPF), com sede no Distrito Federal, diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e dirigido por um Diretor-Geral, nomeado em comissão e da livre escolha do Presidente da República, compete, em todo o território nacional [...]
Entretanto, eventuais inverdades constantes no ato teriam algum impacto na validade da exoneração? Sim!
Para que o ato administrativo, caso da exoneração, seja legítimo, deve estar em consonância com a verdade e com os motivos expostos. O que acontece se uma exoneração de cargo em comissão, ato discricionário, traz uma motivação inexistente ou falsa? O ato é NULO, nos termos do art. 2º, “d” e paragrafo único, “d”, da Lei nº 4.717/65:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
d) inexistência dos motivos;
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
Nesse mesmo sentido, a respeitada doutrina de Maria Sylvia Zanela Di Pietro [1]:
O motivo será discricionário quando: a lei não o definir, deixando-o ao inteiro critério da administração; é o que ocorre na exoneração ex officio do funcionário nomeado para cargo de provimento em comissão (exoneração ad nutum); não há qualquer motivo previsto na lei para justificar a prática do ato;
[...] Ainda relacionada com o motivo, há a teoria dos motivos determinantes, em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade. Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros. (grifei)
Esse também é o posicionamento da jurisprudência:
MOTIVAÇÃO DE ATO DISCRICIONÁRIO – TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES
Quando a Administração Pública declara a motivação de um ato administrativo discricionário, a validade do ato fica vinculada à existência e à veracidade dos motivos por ela apresentados como fundamentação. Servidora exonerada de cargo em comissão ingressou com ação judicial, para anular o ato administrativo de exoneração por vício de motivação. Afirmou que, embora tenha sido publicada como exoneração a pedido, jamais formulou pedido desse tipo. […] a Relatora explicou que o ato de exoneração de servidores que ocupam cargos públicos é discricionário e não prescinde de motivação. Ressaltou que a aplicação mais importante da teoria dos motivos determinantes incide sobre os atos discricionários e que, segundo esse princípio, o motivo do ato administrativo deve ser compatível com a situação que, de fato, gerou a manifestação da vontade, sob pena de ilegalidade. No caso, embora seja discricionário, o ato administrativo de exoneração foi motivado. Assim, constatada a inexistência de pedido de exoneração da autora, a Turma concluiu que ficou demonstrada a incompatibilidade entre o motivo expresso no ato e a realidade fática; por isso, declarou a nulidade do ato de exoneração.
TJDFT - Acórdão n. 932849, 20140110639549APO, Relatora: GISLENE PINHEIRO, Revisor: J. J. COSTA CARVALHO, 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 6/4/2016, Publicado no DJE: 13/4/2016. Pág.: 194.
Para que uma exoneração "a pedido" seja lícita, deve, de fato, haver um pedido para sair do cargo, deve existir um requerimento por parte do funcionário público, sob pena de nulidade!
A Administração Pública, ao proferir qualquer ato administrativo, deve atuar com eticidade, se portar de forma leal e retratar em seus atos a verdade, respeitando o Princípio da Moralidade Administrativa e da Confiança. Não pode falsear a motivação de um ato administrativo com a finalidade de evitar uma crise política!
Apesar da exoneração não precisar de motivação, quando dela constar algum motivo, a Administração Pública estará adstrita aquele motivo, vinculada àquilo que disse e que fez constar no ato administrativo, pela chamada “teoria dos motivos determinantes”. Isso, porque a Administração Pública não pode se fundar em mentiras ou fantasias.
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. […] SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. EXONERAÇÃO A PEDIDO, COM O FIM DE ASSUMIR CARGO ESTADUAL PARA O QUAL FOI NOMEADO. OCORRÊNCIA DE ERRO ESSENCIAL NA MANIFESTAÇÃO DA VONTADE DO SERVIDOR. NOMEAÇÃO TORNADA SEM EFEITO. POSSIBILIDADE DE INVALIDAÇÃO DO ATO DE EXONERAÇÃO. […]
4. Demais disso, de acordo com a teoria dos motivos determinantes, a razão exarada para fundamentar a prática de determinado ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. O administrador está vinculado ao motivo exarado na sua decisão, mesmo quando não está obrigado a fazê-lo.
5. Incidência do princípio da confiança no tocante à Administração Pública, o qual se reporta à necessidade de manutenção de atos administrativos, ainda que se qualifiquem como antijurídicos (o que não é o caso em exame), desde que verificada a expectativa legítima, por parte do administrado, de estabilização dos efeitos decorrentes da conduta administrativa. Princípio que corporifica, na essência, a boa-fé e a segurança jurídica. […](STJ - REsp 1229501/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016)
Assim, qualquer exoneração fundada em motivos falsos ou inexistente é um ato nulo, passível de ser impugnado judicialmente. Nesse caso, apesar de ser um cargo em comissão – de livre nomeação e livre exoneração – a jurisprudência entende que o funcionário público deve ser mantido no cargo, sem prejuízo de nova exoneração (ainda que sem motivos ou com outros motivos, desde que verdadeiros).
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