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Demissão Sem Justa Causa na Pandemia do Coronavírus - Força Maior e Fato do Príncipe

Durante a pandemia do coronavírus, muitas empresas entraram em crise e vêm enfrentando dificuldades para manter os postos de trabalho intactos.

Muito embora o Poder Público tenha criado alternativas – como suspensão dos contratos de trabalho ou diminuição da jornada e do salário – parte do empresariado, está adotando medidas mais drásticas, como a demissão, sob o argumento da “Força Maior” e do “Fato do Príncipe” para rescindir contratos trabalhistas sem pagar integralmente as verbas rescisórias aos trabalhadores (como saldo de salário, décimo terceiro, férias, etc.).

A medida é adequada? Confira os direitos dos trabalhadores e dos empregadores!

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Força Maior & Pandemia do Coronavírus (COVID-19)

É natural que as pessoas deixem de frequentar bares, lojas e restaurantes durante a pandemia do coronavírus (COVID-19) para preservar a própria saúde. Por outro lado, esse acontecimento imprevisível está causando impactos negativos nas atividades econômicas brasileiras.

Nenhuma das Medidas Provisórias que propôs a flexibilização dos direitos trabalhistas durante a pandemia – MP nº 927 e MP nº 936 – previu nova hipótese de rescisão sem justa causa.

Não obstante, empresas nos procuram para saber se podem rescindir os contratos de trabalho sem justa causa, sob o argumento de ter ocorrido uma “Força Maior”, prevista no art. 501 da CLT.

“Força Maior” trabalhista: o que é?

Não há consenso entre os juristas sobre exatamente o que é um motivo de “Força Maior”, entretanto, o Art. 501 da CLT define como motivo de “Força Maior” todo acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador, um evento para o qual o empregador não concorreu, direta ou indiretamente.

O parágrafo único do art. 393 do Código Civil adotou posição semelhante, ao estabelecer que reconhece-se a “Força Maior” no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Pandemia do Coronavírus é motivo de força maior?

A definição legal, em tese, abrange a pandemia do coronavírus (COVID-19) como um motivo de força maior.

Além disso, a MP nº 927/2020, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento da crise do coronavírus, expressamente estabeleceu que a calamidade pública do coronavírus (COVID-19) é considerada força maior para fins trabalhistas:

MP nº 927/2020, Ar. 1º, Parágrafo único -  O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Portanto, a Medida Provisória, que tem força de lei, afasta qualquer dúvida de que a pandemia é uma hipótese de “força maior” para fins trabalhistas.

Mas o que isso significa? Qual efeito prático da “força maior” para os empresários e trabalhadores? Confira adiante!

Consequências da Força Maior para o contrato de trabalho

Como a pandemia do coronavírus é tratada como Força Maior, a lei autoriza que o empregador adote as seguintes providências:

  • Redução pela metade da indenização por demissão sem justa causa, se ocorrer a extinção da empresa ou do estabelecimento em que trabalha o empregado, tendo sido a pandemia o motivo que afetou substancialmente a situação econômica e financeira da empresa. ATENÇÃO: indenização permanece integral se a atividade foi apenas suspensa pela pandemia do coronavírus. [1]

  • Redução unilateral dos salários de todos empregados da empresa, proporcionalmente, em até 25% (vinte e cinco por cento), a serem restabelecidos com o fim da pandemia. ATENÇÃO: redução salarial superior a 25% é possível apenas mediante acordo entre trabalhador e empresa. [2]

  • Redução pela metade da multa sobre os depósitos do FGTS. Caso haja demissão sem justa causa, a multa é reduzida de 40% para 20% (vinte por cento). Contudo, depende do reconhecimento da força maior pela Justiça do Trabalho. ATENÇÃO: a redução da multa depende de decisão da Justiça do Trabalho, há necessidade das empresas realizarem “homologação de acordo extrajudicial”, preferencialmente, com auxílio de um advogado. [3]

É importante ressaltar que qualquer dessas medidas somente podem ser adotadas se a força maior (pandemia do coronavírus) realmente foi a causa pela crise da empresa.

Se a empresa estiver fechando por qualquer outro motivo (má administração anterior, lacre da vigilância sanitária, etc.) não é possível adotar as medidas legais mencionadas. Nesse caso, comprovada a falsa alegação da Força Maior, é garantido o pagamento integral da indenização por justa causa. [4]


Fato do Príncipe & Pandemia do Coronavírus (COVID-19)

Além da diminuição do consumo causada pela pandemia do coronavírus, algumas atividades econômicas foram proibidas de funcionar por determinação expressa das autoridades sanitárias.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que Estados e Municípios podem definir quais atividades poderiam fechar ou abrir, além disso, explicamos aqui que o descumprimento dessas determinações pode configurar crime contra a saúde pública!

Não restam dúvidas que as paralisações determinadas pelos Governadores e Prefeitos também vêm causando graves impactos nas atividades econômicas brasileiras.

Empresas nos procuram para saber se podem rescindir os contratos de trabalho, sem justa causa, sob o argumento do “Fato do Príncipe” (art. 486 da CLT).

A rescisão de contratos de trabalho invocando o “Fato do Príncipe” é uma medida ainda mais radical e que não se confunde com a “Força Maior”.

Fato do Príncipe” trabalhista: o que é?

Considera-se como “Fato do Príncipe” (factum principis) qualquer determinação da Administração Pública, veiculada em ato administrativo ou lei, tomada em caráter geral, sem relação direta com os contratantes, porém, tornando prestação contratual indiretamente mais onerosa, dificultosa ou a impedindo por completo, assim, o “Fato do Príncipe” acaba por desequilibrar a relação contratual original.

O “Fato do Príncipe” compreende toda medida de ordem geral que repercute sobre as relações contratuais, tornando-as mais onerosas. O nome tem origem no fato de ser um ato de império estatal, típico (mas não exclusivo) de regimes monárquicos.

A teoria do Fato do Príncipe se desenvolveu, principalmente, no âmbito dos contratos administrativos, mas também se aplica ao contratos trabalhistas e autoriza a demissão sem que o empregador pague as verbas rescisórias ao trabalhador, que ficarão a cargo do Poder Público.

Consequências do “Fato do Príncipe” para o contrato de trabalho

O art. 486 da CLT prevê a hipótese de extinção do contrato de trabalho por paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade pública ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade.

Nesses casos, a lei diz que o trabalhador deve ser indenizado, contudo, a indenização pela despedida deverá ser paga pelo governo responsável pela lei, ato ou resolução.

Ocorre que, para que isso ocorra, a empresa/empregador não pode simplesmente demitir o empregado sem pagar-lhe os direitos trabalhistas, a Justiça do Trabalho deverá notificar o ente público apontado como responsável pela paralisação do trabalho para então determinar se o argumento será aceito e, em seguida, será iniciado um outro processo junto à Vara de Fazenda Pública.

Isolamento Social, Quarentena e Fechamento do Comércio são Fatos do Príncipe?

A CLT traz como hipótese de Fato do Príncipe a “paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade” (art. 486, caput, da CLT).

Como foram editados decretos municipais e estaduais restringindo o funcionamento de certas atividades econômicas, ao lerem a letra fria da lei, empresários se sentiram encorajados a rescindirem contratos sem pagar as verbas rescisórias, sob o argumento do Fato do Príncipe.

Contudo, as demissões sob esse argumento são precipitadas e arriscadas. A jurisprudência trabalhista não costuma favorecer as demissões sem pagamento dos direitos dos trabalhadores motivada por “Fato do Príncipe”.

Impossibilidade Absoluta da Atividade - Fechamento total

O Fato do Príncipe, previsto no art. 486 da CLT, só é aplicável quando o Poder Público impossibilita por completo a execução do contrato de trabalho.

É o caso, por exemplo, quando uma lei proíbe o tráfego de veículos automotores em determinada rua, inviabilizando a atividade de um posto de gasolina ou de um estacionamento pago que ficam naquela via.

Estabelecimentos que continuaram com suas atividades de alguma forma durante a pandemia, mediante vendas pela internet, telefone, entregas por delivery, etc. não tiveram suas atividades totalmente interrompidas, o que afasta a aplicação do Fato do Príncipe e qualquer responsabilidade do Poder Público.

O Fato do Príncipe se aplica apenas se houve um impedimento concreto da empresa continuar com todas suas atividades; caso haja apenas uma dificuldade financeira, não é possível se valer desse tipo de rescisão. A diminuição do faturamento não é motivo para chamar o Poder Público para indenizar os trabalhadores.

E, mesmo para as empresas que tiveram suas atividades interrompidas por completo, como cinemas, academias e teatros, ainda assim há muita resistência para aplicação do “Fato do Príncipe”, a situação merece uma profunda análise, diante do cenário caracterizado pela pandemia.

Probabilidade dos Tribunais NÃO reconhecerem o Fato do Príncipe

O art. 486 da CLT, que autorizou aplicar o Fato do Príncipe na seara trabalhista, data do ano de 1951. Ao longo dos anos, as decisões judiciais consideraram que a responsabilização do Poder Público criaria um passivo trabalhista gigantesco para Estados e Municípios, prejudicando o custeio dos serviços públicos essenciais, inclusive na área de saúde.

Por esse motivo, a jurisprudência trabalhista tende a não reconhecer o “Fato do Príncipe” e considera que, apesar de atos do Poder Público, os fechamentos do estabelecimento são um risco inerente à própria atividade e que deveriam ser previstos pela iniciativa privada.

Além disso, o art. 486 da CLT foi editado para evitar que decisões políticas, baseadas em um juízo de conveniência e oportunidade, causassem prejuízos na atividade realizada por particulares, inviabilizando-a. Ocorre que o isolamento social, quarentena, lock-down e fechamento do comércio têm a intenção de preservar a saúde pública, não decorrem de mera opção política, como fechar ou não uma via.

A paralisação de atividades por risco de contaminação não decorreu de atuação discricionária, com base em critérios de conveniência ou oportunidade. Estados e Municípios agiram por força constitucional, porque é dever do Poder Público preservar a saúde dos cidadãos (art. 196 da Constituição Federal). O que é um motivo muito forte para afastar sua responsabilidade. [5]

Além disso, o Tribunal Superior do Trabalho, em 1987, já decidiu que não há “Fato do Príncipe” quando a ação do poder público procura resguardar o interesse maior da população. [6]

Em outras oportunidades, a Justiça do Trabalho também não aceitou o argumento do Fato do Príncipe quando o Poder Público determinou o fechamento dos bingos. Apesar de terem sido obrigados a fechar os estabelecimentos, os proprietários de Bingos foram obrigados a indenizar com multa os empregados, sem a responsabilização do Poder Público.

[…] RECURSO DE REVISTA - INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE CHAMAMENTO DA UNIÃO PARA COMPOR A LIDE – FATO DO PRÍNCIPE – BINGO – PREVISIBILIDADE DA PROSCRIÇÃO DA ATIVIDADE
A intervenção do Poder Público pela edição da Medida Provisória nº 168/2004, que determinou o fechamento das casas de bingo, objetivou simplesmente disciplinar, diante do descumprimento da Lei Federal nº 9.981/2001, a atividade de exploração de jogos de bingo cuja prática já era considerada ilícita, o que torna absolutamente previsível a extinção da atividade desenvolvida. Correta a decisão que indefere o pedido de chamamento à lide da União, não havendo falar em violação do artigo 5º, inciso II, XXXV, XXXVII e LV, da Constituição da República. […]
(RR-102040-24.2005.5.04.0010, 8ª Turma, Relatora Ministra MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI, DEJT 04/04/2008).

Não restam dúvidas que as medidas de isolamento estão causando danos econômicos inimagináveis às empresas. Por isso, o ideal é que os empregadores adotem uma estratégia legal segura para minimizar essa situação e evitar um aumento do passivo trabalhista com multas e honorários advocatícios no futuro, respeitando os direitos dos trabalhadores.

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[1] Art. 502, II, da CLT

[2] Art. 503 da CLT

[3] Art. 18, § 2º, Lei nº 8.036/90 - Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o § 1º será de 20 (vinte) por cento

[4] Art. 504 da CLT

[5] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

[6] TST, RR 5.931/86.8, Rel.: Min. Norberto Silveira, Ac. 3ª Turma 2.610/87