Reflexos da pandemia do coronavírus nos contratos trabalhistas

A crise econômica que aflige o Brasil – agudizada pela pandemia do coronavírus – impacta, sem distinção, pequenas, médias e grandes empresas, refletindo diretamente nas relações trabalhistas.

Em resposta à essa realidade, o Poder Público editou a Medida Provisória nº 927/20, que traz medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública; e a Medida Provisória 936/20, convertida na Lei nº 14.020/2020, que traz medidas trabalhistas complementares e institui o “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda” .

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Acordo Trabalhista

O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou válidos os acordos individuais entre empresas e empregados para redução de jornada e salários, durante a pandemia, sem o aval de sindicatos.

Medida Provisória nº 927/20

A MP 927/2020 veio para tentar diminuir os prejuízos econômicos e evitar uma crise econômica ainda maior.

A fim de conciliar os interesses de empregados e empregadores, preservando postos de trabalho e saúde financeira de milhares de empresas, principalmente as micro, pequenas e médias empresas do setor de serviços, a lei trouxe as seguintes medidas:

Teletrabalho

Enquanto durar a pandemia do coronavírus, os empregadores poderão alterar o regime de trabalho presencial para teletrabalho, trabalho remoto ou outro tipo de trabalho à distância, o que também vale para estagiário e aprendizes.

O teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância é a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo. Por exemplo: por videoconferência, e-mail, telefone, etc.

Essa alteração do regime de trabalho independe de acordos individuais ou coletivos, também não é necessária alteração no contrato individual de trabalho. Basta que o empregado seja notificado com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, por escrito ou por meio eletrônico.

Antecipação de férias individuais

No período da pandemia do coronavírus, os empregadores poderão antecipar as férias individuais de cada trabalhador, sem necessidade de acordo, basta que o empregado seja notificado com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, por escrito ou por meio eletrônico.

O trabalhador poderá gozar de férias mesmo que período aquisitivo das férias ainda não tenha transcorrido.

Em relação a férias futuras, empregado e empregador poderão negociá-las, porém, nesse caso será necessário acordo individual escrito.

ATENÇÃO: o empregador poderá escolher pagar o adicional de 1/3 (um terço) de férias após sua concessão, até a data em que é devida a gratificação natalina (décimo terceiro salário).

Concessão de férias coletivas

A norma prevê que, durante o estado de calamidade pública do coronavírus, o empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas.

O patrão também não precisa entrar em acordo com seus funcionários, apenas precisa notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, 48 (quarenta e oito) horas.

O empregador não precisa sequer comunicação o órgão local do Ministério da Economia e nem os sindicatos da categoria profissional

Aproveitamento e antecipação de feriados

Considerando que muitas empresas foram forçadas a suspender ou readequar suas atividades par reduzir o risco de contágio do coronavírus, possibilitou-se a antecipação de feriados com intenção de evitar maiores prejuízos.

Feriados Civis
Apenas enquanto durar a pandemia da COVID19, os patrões poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais; ou podem aproveitar essas datas no banco de horas.

A medida é unilateral, dispensa acordo, porém, é necessário notificar, por escrito ou por meio eletrônico, os empregados com antecedência de, no mínimo, 48 (quarenta e oito) horas, apontando quais os feriados serão antecipados ou aproveitados.

Feriados Religiosos
A regra é diferente para feriados religiosos.

Como o feriado religioso decorre do direito fundamental de liberdade de crença religiosa, a antecipação de feriados religiosos depende de anuência do empregado, é preciso um acordo individual escrito, ou assinatura de Termo Aditivo.

Regime Especial de Compensação de Jornada - Banco de horas

Uma das medidas para preservar empregos e reduzir os impactos econômicos da crise da COVID-19 é a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas.

Como funciona a compensação de jornada (banco de horas)?

O regime de compensação de horas autoriza que a duração normal do trabalho seja acrescida de até 2 (duas) horas suplementares, mediante acordo escrito, sem que o empregador tenha que pagar hora extra.

Assim, o patrão que adota o regime de compensação de horas pode acrescer até 2 (duas) horas diárias à jornada de trabalho, sem ter que pagar horas extras. Em contra partida, o empregado terá sua jornada reduzida no futuro, sem que haja redução do salário.

As empresas controlam as horas trabalhadas por meio de um banco de horas, um sistema de crédito e débito de horas de trabalho.

Permite-se, assim, que a jornada semanal seja reduzida em períodos de menor demanda comercial (ex: pandemia, meses sem datas festivas) e o aumento da jornada de trabalho em períodos de maior demanda (ex: véspera de natal).

Em tempos de normalidade, o trabalhador costuma realizar uma sobrejornada (acréscimo de até 2 horas diárias) e posteriormente abate esse tempo trabalhado numa jornada futura.

Já no regime especial, por decorrência do coronavírus, ocorre o inverso, o empregador reduz a jornada do empregado, que deverá realizar uma sobrejornada no futuro para compensar a redução.

Qual a vantagem do banco de horas na pandemia?

O regime especial de compensação de jornada permite que o empregador tenha um saldo de horas junto aos empregados, podendo reduzir os custos no futuro, quando retomar suas atividades com maior vigor.

O regime especial também é mais vantajoso que o regime ordinário de compensação, previsto na CLT, porque o prazo para a compensação é maior.

Via de regra, o art. 59, § 5º, da CLT diz que a compensação ordinária deve ocorrer no período máximo de 6 (seis) meses.  

No entanto, o regime especial de compensação, durante a pandemia da COVID-19, permite a compensação no prazo de até 18 (dezoito meses), iniciados somente após o fim da pandemia.

Como adotar banco de horas na pandemia?

Para as empresas adotarem o regime especial de compensação de jornada, por banco de horas, devem formalizar um acordo coletivo ou individual formal, nos moldes da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Não é possível impor a medida de forma unilateral.

Até mesmo as empresas que já pratiquem a compensação de jornada por banco de horas realizar novos acordos com os empregados.


Suspensão de exigências
administrativas em segurança e saúde no trabalho

A fim de reduzir o risco de contágio do coronavírus, a norma suspendeu a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, com exceção dos exames demissionais.

Os exames, contudo, deverão ser realizados no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública


Diferimento do recolhimento do FGTS

A fim de reduzir os impactos da pandemia, também foi concedido um parcelamento e suspensão do recolhimento do FGTS devido pelos empregadores

Suspendeu-se a exibilidade do FGTS dos meses de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.

O pagamento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, multa e demais encargos; em até 6 (seis) parcelas mensais, com vencimento no dia 7 de cada mês, a partir de julho de 2020

Essa faculdade pode ser exercida por quaisquer empregadores, independentemente do número de empregados; do regime de tributação; da natureza jurídica; do ramo de atividade econômica. Não é preciso adesão prévia.

ATENÇÃO! Caso ocorra a rescisão do contrato de trabalho, a suspensão do pagamento do FGTS ficará resolvida e obriga o empregador a recolher os valores correspondentes, sem incidência da multa e dos encargos devidos.

Para mais informações, clique aqui!

Força Maior

Além disso, a Medida Provisória nº 927/2020 estabeleceu que, para fins trabalhistas, a pandemia do coronavírus (COVID-19) constitui hipótese de força maior, cujas consequências você podem ser conferidas aqui:

DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA NA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS - FORÇA MAIOR E FATO DO PRÍNCIPE


Inconstitucionalidade da MP 927/2020

O Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de medida cautelar, julgou constitucional a MP 927/2020, contudo, suspendeu a eficácia de dois dispositivos, o art. 29, I, e art. 31.

O Art. 29, I, da MP 927 previa que o trabalhador deveria comprovar, para fins de acidente de trabalho, que a contaminação por COVID-19 se deu no local de trabalho.

O dispositivo foi suspenso porque foi considerado extremamente ofensivo aos inúmeros trabalhadores de atividades essenciais que continuam expostos aos riscos. Embora médicos e enfermeiros consigam provar com facilidade a contaminação no local de trabalho, outros trabalhadores teriam dificuldade, caso funcionários de farmácias, supermercados, motoboys, etc. Ademais, o STF já se pronunciou, no RE 828.040, que há responsabilidade objetiva em atividades em que o risco é maior. Ou seja, não se pode admitir a exclusão da contaminação por coronavírus como ocupacional, de forma irrestrita.

O Supremo também entendeu que o art. 31 é inconstitucional, pois continha a determinação de suspender, durante 180 dias, a atuação dos auditores fiscais do trabalho no Ministério da Economia, reduzindo, sem motivo, a fiscalização e consequentemente atentando contra a saúde dos empregados que permanecem e atividade. [1]


LEI Nº 14.020/2020

A Medida Provisória nº 936/2020, convertida na Lei nº 14.020/2020, institui o “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda” e traz medidas trabalhistas complementares àquelas previstas na Medida Provisória nº 927/2020, também para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente da pandemia.

O objetivo da lei é preservar o emprego e a renda e garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais, e, ainda, reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

As medidas estabelecidas pelo Programa Emergencial são:

  • Pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda;

  • Redução proporcional de jornada de trabalho e de salários que poderá ser de 25%, 50% e 70%; e

  • Suspensão temporária do contrato de trabalho, que será pelo prazo máximo de 60 dias, podendo ser fracionado em até dois períodos de trinta dias.

No prazo de 10 dias é imprescindível que o empregador informe ao Ministério da Economia a redução da jornada ou a suspensão temporária do contrato de trabalho, caso contrário ficará responsável pelo pagamento da remuneração.

O recebimento do Beneficio Emergencial não impede a concessão e não altera o valor do seguro-desemprego, caso o empregado tenha direito.

ATENÇÃO! Empregado com mais de um vínculo formal de emprego poderá receber cumulativamente o Benefício Emergencial.

Tanto empregadores e empregados poderão celebrar acordo individual, devendo ficar atentos que tudo tem que ser por escrito, para segurança do empregador e do empregado, e sempre respeitando os limites da Constituição Federal.


Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda
 

O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda é pago quando houver a redução proporcional de jornada ou a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Esse benefício é pago mensalmente com recursos da União Federal, não do Empregador.

O benefício é pago em até 30 dias após celebrado o acordo, por isso, o Ministério da Economia deve ser informado em até 10 dias do acordo para redução proporcional de jornada ou a suspensão contratual.


Redução Proporcional de Jornada

Durante a pandemia do coronavírus, o empregador poderá acordar a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário de seus empregados.

A lei permite a redução proporcional de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, por até 90 (noventa) dias, mas o Decreto nº 10.422/2020 prorrogou em mais de 30 (trinta) dias, assim, ficou autorizada a redução proporcional pelo período total de 120 (cento e vinte) dias


Suspensão do Contrato de Trabalho

No período da pandemia do coronavírus, o empregador poderá ainda acordar com seus empregados a suspensão temporária do contrato de trabalho.

A suspensão também pode ser forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho.

Nesse caso, a lei autoriza a suspensão pelo prazo máximo de 60 (sessenta) dias, fracionável em 2 (dois) períodos de até 30 (trinta) dias, contudo, o Decreto nº 10.422/2020 também prorrogou o prazo lega, em mais de 60 (sessenta) dias, assim, ficou autorizada a suspensão pelo período total de 120 (cento e vinte) dias.

Caso o empregador opte por adotar ambas as medidas, a suspensão e a depois a redução proporcional (ou vice e versa), o prazo máximo para ambas é de 120 (cento e vinte) dias.



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[1] ADI 6342 Ref-MC/DF, ADI 6344 Ref-MC/DF, ADI 6346 Ref-MC/DF, ADI 6348 Ref-MC/DF, ADI 6349 Ref-MC/DF, ADI 6352 Ref-MC/DF, ADI 6354 Ref-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 29.4.2020

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