Doadores podem ter tratamento preferencial

O Dia Mundial do Doador de Sangue, instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2005, é comemorado a cada 14 de junho, enquanto a ONU passou a celebrar em 20 de dezembro o Dia Internacional da Solidariedade Humana.

Nessa publicação o escritório Marello traz curiosidades jurídicas sobre a doação a fim de destacar a importância da disponibilidade de sangue e órgãos, bem como agradecer aos doadores por seu ato de solidariedade

Em 20 de dezembro a ONU celebra o Dia Internacional da Solidariedade Humana

Doação de Órgãos

Direito ao Cadáver?

Dentre as obras mais lidas nos cursos de Direito no Brasil está a tragédia grega “Antígona”, escrita por Sófocles, que narra o conflito sobre o direito aos ritos funerários do irmão da protagonista, morto na guerra de Tróia.

A doutrina jurídica menciona a existência do chamado direito ao cadáver como sendo um dos direitos de personalidade, orientado pela lógica do Direito Privado e da autonomia dos indivíduos.

O direito ao cadáver concede aos particulares uma margem de liberdade na orientação de suas condutas a tomarem em relação a um cadáver, e a lei funciona, em regra, apenas como um limite e uma proteção.

Nosso ordenamento jurídico protege as disposições de última vontade do indivíduo, como os testamentos ou escrituras públicas que mencionem o desejo do falecido em relação a seu cadáver.

Além da tradicional regra do sepultamento, podemos citar o art. 77, § 2º, da Lei de Registros Públicos, que disciplina a possibilidade de cremação do cadáver; a Lei n. 9.434/1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento; o art. 14 do Código Civil, que possibilita a destinação do corpo, após a morte, para fins científicos ou altruísticos, dentre outras.

Como fazer disposição de última vontade?

O Superior Tribunal de Justiça considera que não há exigência de formalidade específica para a manifestação de última vontade do indivíduo, sendo perfeitamente possível, portanto, aferir essa vontade, após o seu falecimento, por outros meios de prova legalmente admitidos, observando-se sempre as peculiaridades fáticas de cada caso.

Caso interessantíssimo enfrentado pelo STJ, em Brasília, tratou de discussão entre duas irmãs que discutiam a destinação do corpo do genitor falecido. Enquanto uma delas defendia o sepultamento tradicional do corpo no Brasil, a outra defendia a manutenção do cadáver em estado criogênico no exterior.

No fim das contas, como não havia nenhum documento formalizando a disposição de última vontade do falecido, prevaleceu a tese da filha que era mais próxima e teve mais tempo de convivência com o pai próximo do falecimento, o STJ acabou mantendo o cadáver em estado criogênico nos EUA (REsp n. 1.693.718/RJ, 2019)

Doação de órgãos em vida

Do ponto de vista legal, a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento está disciplinada na Lei nº 9.434/1997 e no Decreto Federal nº 9.175/2017.

A Lei permite a doação de órgãos e tecidos de pessoa ainda vida, desde que sejam órgãos duplos (ex: rins, pulmão) ou de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não comprometa a vida e saúde mental do doador.

O doador precisa ser civilmente capaz, mas a doação não pode receber qualquer remuneração, é sempre gratuita.

A doação em vida deve ser obrigatoriamente para o cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau. Caso haja interesse em doar para outras pessoas, a doação depende de autorização judicial, salvo no caso de medula óssea, que é livre.           

Doação de órgãos após a morte

A fim de evitar erros médicos, a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano exige prévio diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos e que não integrem as equipes de remoção e transplante.

Nesse caso, a retirada dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, podendo ocorrer também no caso de crianças falecidas, desde que permitida expressamente por ambos os pais ou responsáveis legais.

A doação de órgãos é extremamente séria, sendo vedada a remoção de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas, bem como é severamente criminalizada a remoção em desacordo com a lei.

Direito ao transplante

O decreto federal estabelece que a destinação de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano observará os critérios de gravidade, compatibilidade, ordem de inscrição, distância, condições de transporte, tempo estimado de deslocamento das equipes de retirada e do receptor selecionado e as situações de urgência máxima.

Todos esses fatores devem ser considerados para que a doação atinja o maior grau possível de êxito, sem descuidar da justiça de quem está na fila há mais tempo.

As cirurgias de transplante de órgãos tendem a ser complexas e caras, porém, como o direito à saúde e à vida são essenciais à Dignidade da Pessoa Humana, planos de saúde não podem se negar a realizar o procedimento uma vez que haja indicação médica.


Da Doação de Sangue

O ato de doar sangue é, assim como o de doar órgãos e tecidos, uma demonstração pública de solidariedade e amor ao próximo.

A fim de incentivar tão nobre conduta, listamos os hemocentros de todas as capitais brasileiras para que você obtenha mais informações caso deseje doar:

Direito de Doar Sangue

Nosso ordenamento protege a autonomia da vontade e o ato de doar sangue se insere na esfera nesse conceito de autonomia, protege o direito da pessoa escolher praticar um ato de solidariedade para com terceiros.

A restrição à doação de sangue sem motivos razoáveis, como pela mera orientação sexual, afronta a autonomia do individuo ao retirar a possibilidade dele praticar um ato de civilidade, de auxiliar àqueles que necessitam de transfusão de sangue.

Nesse sentido, o STF, ao julgar a ADI 5.543/DF, entendeu que violava o direito à igualdade e não discriminação a proibição de que homens homossexuais doassem sangue, reconhecendo a eles o direito de doar sangue sem sofrerem discriminação por sua orientação sexual. Confira outros direitos LGBT+ AQUI!

Benefícios para o doador de sangue

A Lei Federal nº 1.075/1950, que dispõe sobre doação voluntária de sangue diz que ela será consignada com louvor na folha de serviço de militar, de funcionário público civil ou de servidor de autarquia.

A doação voluntária de sangue, feita a Banco de sangue, ainda dispensa o servidor público ou militar de comparecer ao serviço no dia da doação de sangue.

Além disso, o doador voluntário, que não for servidor público civil ou militar, presta serviços relevantes à sociedade e à Pátria, o que pode ser interessante para fins de concessão de naturalização brasileira.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) reconheceu a constitucionalidade de lei municipal que garante atendimento preferencial a doadores de sangue, órgãos, tecidos e medula óssea em estabelecimentos comerciais, bancários e similares (TJSP - Processo 2110530-71.2022.8.26.0000)

Seja um (a) doador (a), doe vida!