“Direito ao Esquecimento” apenas na União Europeia?

O que é o Direito ao Esquecimento?


O “Direito ao Esquecimento” (Right to be Forgotten) é o direito do indivíduo de proibir a divulgação de um fato desabonador ou que lhe cause alguma espécie de dor ou constrangimento, ainda que verídico.

Embora seja reconhecido no Brasil, tem sua gênese na Europa, daí a importância da jurisprudência oriunda do Velho Continente. A questão ganhou muita relevância com o avanço da tecnologia e a disseminação de informações em massa pelo Google e redes sociais.

Desde 2014, no âmbito da União Europeia, a regra do “Direito ao Esquecimento” (Right to be Forgotten) determina que o Google e outros mecanismos de pesquisa na internet excluam dos resultados de buscas os links com informações pessoais antigas, que não sejam relevantes ou sem interesse público. [1]

O próprio Google criou uma equipe interna para revisar solicitações de remoção (extrajudicialmente), contudo, exclui links somente dentro da União Europeia. Na Europa, o Google vem atuando como uma autoridade judicial na solução desses casos, determinando o que constitui informação privada ou não. O buscador recebeu pedidos para derrubar mais de 3,3 milhões de links e concedeu cerca de 45%, segundo dados da empresa.

No dia 24/09/2019, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) se pronunciou em relação à amplitude geográfica desse direito.

Advogado Civil Rio de Janeiro RJ Brasília Bsb

O que foi decidido pela Corte Européia?


Segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a mais alta Corte da Europa, a regra que garante o “Direito ao Esquecimento” (Right to be Forgotten) está limitada à sua jurisdição, não podendo ser aplicada fora da União Europeia.

Um dos casos iniciou-se em 2015, quando órgão regulador de proteção de dados da França, o CNIL, entendeu que a retirada de links dos buscadores apenas dentro da União Europeia seria insuficiente e pediu a remoção dos links do banco de dados global. Argumentou-se que aplicação regional do “Direito ao Esquecimento” seria ineficaz, pois as pessoas ainda poderiam acessar as informações fora da Europa.

Em resposta, o Google e outras empresas, como a Fundação Wikimedia e a Microsoft, defenderam que as pessoas tentariam usar a regra na Europa para apagar informações indesejadas em outros lugares. Se a posição francesa prevalecesse, tribunais e órgãos reguladores europeus poderiam impor o resultado de pesquisas aos cidadãos de países como Brasil ou Índia.

Em setembro de 2019, a Corte Europeia decidiu em favor do Google, pela limitação geográfica do “Direito ao Esquecimento”, afastando a necessidade de que os mecanismos de busca removessem os links mundialmente.

O segundo caso cuidou de indivíduos que exigiam do Google a remoção de links para sites encontrados ao pesquisar seus nomes. Essas pessoas argumentaram que certas categorias de dados, como religião, crenças políticas, vida sexual e condenações criminais, deveriam ser eliminadas dos resultados da pesquisa. Dentre elas havia um político sob investigação; um condenado por estupro contra menores; e um membro da Igreja da Cientologia.

Em sentido contrário, argumentou-se que a remoção de links criaria um precedente perigoso e facilitaria a exclusão de informações pertinentes ao interesse público.

Nesse segundo caso, o tribunal considerou que certas categorias de dados merecem tratamento especial a ser ponderadas com o direito do público a informações, outras não. As informações de interesse público deveriam ser mantidas, como o cometimento de crime.

Em suma, as decisões reafirmaram a regra do “Direito ao Esquecimento” no âmbito da Europa, mas impediram a aplicação da norma europeia fora do bloco europeu em disputas internacionais, portanto, a Europa não poderá impor a norma em países que não o reconhecem.


As decisões foram acertadas?


As decisões levaram em conta a preocupação de que outros países, principalmente aqueles com governos autoritários, adotassem regras para forçar retiradas globais, favorecendo uma censura generalizada da Internet. Não obstante, reconheceu-se que o “Direito ao Esquecimento” é um instrumento legal imprescindível para que as pessoas, principalmente as que não são públicas, tenham suas informações pessoais removidas.

Entretanto, segundo o New York Times, alguns críticos argumentam que o alcance da norma aumentou demasiadamente e há interpretações diferentes entre os países da própria União Europeia. Há relatos de que o “Direito ao Esquecimento” está sendo usado de forma abusiva para direcionar artigos de notícias e manter informações relevantes fora do domínio público.

Embora as decisões da Corte Europeia sejam uma tentativa de equilibrar o direito à privacidade e o direito do público à informação, Joris van Hoboken, professor de direito da Vrije Universiteit de Bruxelas, também alerta para o fato de que as decisões delegam a tomada de decisão ao Google. “A suposição é de que o Google fará esse equilíbrio bem”, disse van Hoboken.

Jonathan Zittrain, professor de direito de Harvard, disse que as preocupações permanecem, pois embora as empresas, como o Google, corram o risco de multas caso contestem uma solicitação de remoção, não são penalizadas por excluir algo indevidamente. “Isso cria uma pressão assimétrica na tomada de decisões corporativas, que se inclina para demandas individuais em detrimento do interesse público”, disse Zittrain.

Entretanto, a decisão ainda possibilita que os integrantes da União Europeia obriguem o Google a remover links globalmente, mas somente em casos especiais considerados necessários para proteger a privacidade de um indivíduo.


Como vem sendo aplicado o Direito ao Esquecimento no Brasil?


Não há óbice para que outros países do mundo adotem a mesma sistemática da União Européia. A questão do “Direito ao Esquecimento” (Right to be Forgotten) levanta a discussão entre privacidade e liberdade de expressão na Internet não só na Europa, mas em todo o mundo, inclusive no Brasil.

O Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de enfrentar a temática no emblemático REsp nº 1.335.153/RJ, em 2013, no qual se discutiu o conflito entre a liberdade da imprensa reencenar o assassinato de Aida Curi, ocorrido há 50 anos, e o direito ao esquecimento de parentes da vítima. Considerou-se que as vítimas de crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento, o direito de não se submeterem a desnecessárias lembranças dos fatos passados que lhes causaram dor. Contudo, como o caso concreto cuidava do famigerado assassinato de Aida Curi, um crime de repercussão nacional, não se reconheceu o direito aos familiares, pois a história já fazia parte do domínio público, não seria possível inviabilizar a atividade da imprensa.

Outro julgamento brasileiro de grande repercussão, também no âmbito do STJ, foi o REsp nº 1.660.168/RJ, em 2018. Esse caso discutiu justamente o pedido para que o nome de um indivíduo fosse desvinculado do resultado de pesquisa do Google. No fim, prevaleceu o direito individual ao esquecimento em detrimento do direito coletivo à informação, fixando-se, inclusive, multa diária caso o site não retirasse o nome da pessoa dos resultados.

Assim, também no Brasil autoriza-se a exclusão de fatos desabonadores dos resultados de busca pela via judicial, pelo fundamento do “Direito ao Esquecimento”. Embora os buscadores da internet não sejam responsáveis pelos resultados apresentados, excepcionalmente podem ser sancionados na hipótese dos resultados da busca não guardarem relevância para interesse público à informação – seja pelo conteúdo eminentemente privado, seja pelo decurso do tempo.


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[1] Texto traduzido e adaptado do New York Times, disponível em https://www.nytimes.com/2019/09/24/technology/europe-google-right-to-be-forgotten.html.