Crimes e Tributação por trás do investimento em Bitcoin e Criptomoedas

O fenômeno das criptomoedas ou criptoativos é relativamente recente, então muitas pessoas se perguntam sobre a legalidade desse investimento.

Será que a compra e venda de criptomoedas como Bitcoin (BTC); Ethereum (ETH); XRP (XRP); Tether (USDT); Litecoin (LTC) ou EOS (EOS) é crime? É legal? A resposta não é tão simples, ela depende.

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Criptomoeda

É um ativo digital criado para funcionar como um meio de troca, em que registros individuais de propriedade de moedas são armazenados em um livro digital ou banco de dados computadorizado usando criptografia complexa

Compra e Venda de Criptomoedas é Crime?

A negociação envolvendo compra ou venda de criptomoedas ainda não foi regulamentada no Brasil, tendo em vista que não são consideradas “moedas” pelo Banco Central do Brasil (BACEN) e tampouco valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Por isso, não há limitação para sua negociação.

Inclusive, a IN RFB nº 1.888/2019 define como criptoativo

“a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”

Assim, nosso ordenamento jurídico reconhece a existência e a negociação de criptoativos, o que, por si só, não constitui crime contra o Sistema Financeiro Nacional (não incide nos arts. 7º, II, e 11, da Lei n. 7.492/1986), nem mesmo no delito previsto no art. 27-E da Lei n. 6.385/1976. [1]

Ou seja, se você deseja usar seu próprio dinheiro para comprar e vender bitcoins, não há ilegalidade nisso.


Investir em Bitcoin com capital de terceiros

Utilizar o próprio dinheiro para comprar e vendar criptomoedas não é crime, mas pode ser crime se a pessoa usar dinheiro de terceiros sem registro para isso.

Quem se compromete a investir o dinheiro de terceiros realiza um contrato de investimento coletivo (CIC).

O contrato de investimento coletivo (CIC) serve para captação de recursos do público investidor, aplicando-os em determinado empreendimento (ouro, dólar, criptomoeda). O empreendedor gerencia o investimento com a promessa de distribuir entre os investidores os lucros do empreendimento.

Embora as criptomoedas não sejam valor mobiliário, o contrato de investimento coletivo é uma espécie de valor mobiliário (art. 2º, IX, da Lei n. 6.385/1976). Por isso, pressupõe registro junto à CVM.

A Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, dispõe que é crime as seguintes condutas:

Art. 7º - Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários:

II - sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados;

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Não suficiente, a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que regula o mercado de valores mobiliários, prevê o seguinte crime:

Art. 27-E -  Exercer, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, a atividade de administrador de carteira, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou qualquer outro cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado na autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento: 

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. 

Qualquer contrato de investimento coletivo pressupõe registro na CVM, independentemente do tipo de investimento. Logo, quem desejar investir o dinheiro de outra pessoa no mercado de criptomoedas deve ter registro, sob pena de cometer vários crimes.

A pessoa que fizer a oferta desse serviço, sem o registro prévio, comete o crime do art. 7º, II, da Lei n. 7.492/1986, de competência da justiça federal. [2]

Não suficiente, caso consiga capital de terceiros e passe gerenciá-los, aplicando-os, ainda cometerá o crime do Art. 27-E da Lei nº 6.385/76.

Além disso, quem captar recursos financeiros e realizar aplicações de recursos de terceiros em moedas virtuais exerce ilegalmente atividade restrita à instituição financeira, portanto, pode ser responsabilizado pelos arts. 16 e 22 da Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional:

Lei nº 7.492/86, Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Nesse caso, há cometimento de crimes federais, investigados pela Polícia Federal.


Bitcoin é Pirâmide?

Não, a mera compra e venda de criptomoedas não configura um crime contra a economia popular ou crime de pirâmide. Contudo, pessoas podem vir a utilizar do esquema de pirâmide para conseguir investidores, o que é proibido.

As Polícias Civis e Federal vêm recebendo denúncias de pessoas que investiram e não tiveram seu dinheiro devolvido. Nesse caso, a negociação com criptomoedas, muitas vezes, sequer ocorreu, tendo ocorrido um golpe.

O STJ, recentemente, analisou caso de uma vítima que teria investido em criptomoedas por meio de uma empresa chamada 'XGOCOIN', sob a promessa de que receberia um lucro mensal de 55% sobre a aplicação.

Após o primeiro investimento, ela teria sido incluída em um grupo de WhatsApp, no qual era incentivada a investir mais e convidar outras pessoas a participarem do negócio.

Ao final de dois meses, investiu um total de R$24.500,00. Em seguida,não conseguiu retomar o contato com a empresa, que, aparentemente, apropriou-se dos valores aplicados.  

Ao julgar a competência, o STJ entendeu que pode ter ocorrido um estelionato ou esquema de pirâmide financeira (crime contra a economia popular).

Estelionato

Código Penal, Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa […].


Lei nº 1.521/1951, Art. 2º - São crimes desta natureza:

IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes);

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa […].


O estelionato e o crime de pirâmide são de competência estadual, esses crimes devem ser investigados pela Polícia Civil do Estado ou DF.  

"a captação de recursos decorrente de 'pirâmide financeira' não se enquadra no conceito de 'atividade financeira', para fins da incidência da Lei n. 7.492/1986, amoldando-se mais ao delito previsto no art. 2º, IX, da Lei 1.521/1951 (crime contra a economia popular)
(CC 146.153/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 17/5/2016).

Em resumo, diante da ausência de elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento a interesses da União, o crime é julgado pela Justiça Estadual. [3]


Necessidade de Informar Criptoativos à Receita Federal

A Instrução Normativa RFB nº 1888/2019 institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).

As informações relativas a criptoativos e criptomoedas deverão ser prestadas pelo sistema Coleta Nacional, disponibilizado por meio do Centro Virtual de Atendimento (e-CAC) da RFB, estando obrigado a prestar as informações qualquer exchange de criptoativos domiciliada no Brasil e pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando realizar as operações por conta própria ou forem realizadas por exchange domiciliada no exterior.


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[1] CC 161.123/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 5/12/2018

[2] STJ HC 530.563/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020

[3] STJ CC 170.392/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020